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Fábula #7 - Autoapoteose

  • Foto do escritor: Algum Lucas
    Algum Lucas
  • 27 de nov. de 2021
  • 2 min de leitura


Fábula #7 - Autoapoteose


Artista, o sátiro, orgiava com ninfas numa terça-feira qualquer. Fossem os tempos de glória, seria impossível notar sua fadiga — mas notava-se. Debaixo do suor, cansaço — tristeza.


Artista levantou-se da cama e seguiu ao espelho do banheiro. Sentia-se imundo, gosmento, tinha ainda um ardor volátil na boca do estômago. Foram-se os tempos em que o espelho me glorificava, pensou o sátiro, triste.


De cara lavada, entretanto, retorna ao quarto com o característico sorriso de escárnio e deboche. Artista novamente se embrenha nas pernas das ninfas, a proclamar-se o maior e mais potente sátiro que um dia viveu. Mas o subsequente desembrenhar-se das pernas remetera-lhe a tempos mais simples, em que titubeava as patas de bode por entre as flores dos jardins da infância. Sentia-se agora a cada momento mais distante do que soubera chamar “eu”.


A quem louvavam suas orgias? A quem serviam verdadeiramente? Pensava, enfim — mais uma vez, pensava. Por que ainda me submeto a tantas efemeridades? Não conseguia lembrar-se da última vez em que pudera dizer amar alguma coisa, ou de um momento em que pudesse ao menos acreditar nisto como possibilidade. E, com cada orgasmo, um novo fio tecido na trama que construía sobre si.


Sua epopeia lasciva era sem par — imortal, imoral e incomensuravelmente épica. Ele, todavia, sabia-se, já, morto. Asceta de um deus profano e surdo às suas preces. Ele mesmo. Todo este tempo os gemidos e grunhidos orgiásticos nada além de egos vazios foram capazes de alcançar. Artista, então, levantou-se da cama e prostrou-se no chão. Foi a primeira vez em que se pôde ver um sátiro aos prantos. E as ninfas excitaram-se como nunca.


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Algum Lucas.





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