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Solilóquio 8 - Roteirizado

  • Foto do escritor: Algum Lucas
    Algum Lucas
  • 13 de mai. de 2020
  • 10 min de leitura

Tópicos:

Picapeiros

Mudança de planos

O roteiro

Meta

O mistério

Bom, antes de tudo, eu sei que falei no episódio passado que ia falar sobre picapeiros e me irritar e tudo o mais, mas a verdade é que não quero isso pro podcast, muito menos acho que conseguiria ficar verdadeira e espontaneamente bravo na gravação — fico demasiado consciencioso do que eu falo quando o quesito é chegar a algum ponto — e a ideia aqui é justamente essa: não tenho muito onde chegar, quero é ir falando e descobrir aonde eu queria chegar desde o início.


E também, pra ser bem sincero... ah, não sei se compensa falar disso, já tô divagando demais. O fato é que me preocupo com os meus níveis crescentes de cinismo aparente. E até que a coisa vem melhorando na pandemia: esses dias vi duas menininhas brincando sem máscara no parquinho e nem fiquei puto. Só sorri e pensei: é uma morte feliz.

E talvez seja aqui que me caiba uma mudança de planos: aproveito o gancho para puxar o bom e não-tão-velho Camus — coisa da peste e tudo o mais.


Enfim, isso pra dizer que não quero fazer um showzinho de comédia gratuita se não tenho mais nada pra dizer além de que os picapeiros têm três níveis e são os caras que se enfiam no trânsito ou de golzinho ou de picapinha ou hylux e bla bla bla...


Nossa... tô me sentindo o Zé no Ex Nunc — à venda já, na amazon.com.br (e também disponível de graça no algumlucas.com).


E eu tô fazendo esse episódio assim só porque me convenci de que precisava tentar algo diferente, não ficar sempre transtornando as pessoas com circunlóquios de vinte minutos que não chegam a lugar nenhum. Mas isso também me diverte, aí eu vou experimentando. Me mandem emeios sobre isso também, nem sempre vão ser só solilóquios, né.


Mas seguindo sobre a mudança de planos: fico pensando em mudar o processo só porque demoraria mais sem necessariamente aumentar o grau de esforço, aí teria mais a sensação de “trabalho” durante o dia e consigo procrastinar o trabalho de verdade. Faz sentido isso? Bom, eu sei é que pra mim funciona assim, até porque essa semana mesmo não me apareceu nenhuma revisão, então sentar em frente ao microfone por 50 minutos e falar sobre coisas que já tenho pensadas ou simplesmente que acho interessantes não me parece lá um grande trabalho. E ainda tem que com a edição que escolhi pro quadro mal levo vinte minutos pra editar e outros vinte pra revisar, aí a coisa acaba ficando em torno de uma hora a uma hora e meia pra produzir cada episódio, no máximo.


Isso, claro, desconsiderando as leituras e tal, que é a ideia da coisa, mas isso também não chamar de trabalho, né, porque aí de foder. E eu venho aqui cagar essa regra de repensar o tempo e a ideia de o tempo ter um valor e tudo o mais, e acontece isso de eu resolver falar sobre o quanto eu mesmo me... me... me autoflagelo, me puno com isso, sei lá.


E eu também já nem sei mais se falando — ou escrevendo? — aqui resolvi mudar a coisa toda de novo. A ideia inicial do podcast nem sequer era falar alguma coisa da minha cabeça. Um amigo meu disse que queria fazer um podcast, em maio ou junho de 2019, e eu queria também, tava pensando nisso e adorei a ideia, até porque ele lê muito e coisas muito diferentes das minhas, entende de microfones, é super calmo, inteligente e tudo o mais — aí a gente queria fazer a coisa de dois entrevistadores chamados Lucas, que nunca se apresentam, falando com gente diferente e gente não-diferente sobre a vida e o sobre que elas pensam da vida. Mas aí o Lucas, idiossincrático, digamos assim, desistiu e ficou com vergonha de me contar — talvez por eu ser meio empolgado demais com essas coisas, ou ruim de trabalho em equipe, não tenho como saber — e aí eu aceitei tudo o que era trabalho merda e bico safado pra conseguir comprar as coisas pra gravar como idealizei. Ainda tive a cagada da minha madrinha ter um ataque de consciência, ou culpa, tanto faz, quase 30 anos depois e me agilizar um notebook decente e voilà: vendi todas as tranqueiras que tinha, violão velho, pedal duplo de bateria engavetado, camiseta velha, tudo o que deui, meio que num minimalismo compulsório assim, saí do quarto que eu ocupava na casa do meu pai (numa rua violentamente barulhenta em que gravar teria sido impossível) e vovôalà! — mentira, vovôalà o caralho, porque aí quando ia começar num emprego novo e tinha conseguido publicar uns textos, aprender a editar, encerrar um livro, me mudado etc. etc., pandemia. E aí já viu: fazer entrevista por skype depois de ter vendido a alma pra comprar um microfone bom? No cu. Aí me rendi à ideia de “existir” vagamente e ficar aqui falando sozinho só porque eu queria começar. E também não é pra me levar a mal, gostei de gravar e já disse também que o exercício de sair falando é bom e até revolucionário pra mim, que fiquei meio afeito demais à ideia de planejar... ah, de punhetar mesmo a ideia, ficar na pira onanista de idealizar a coisa infinitamente até tomar coragem e ir lá fazer. E eu uso o verbo nesse sentido mesmo, então já se acostume — ou não, né, vai que tá achando tudo uma merda e resolve parar de ouvir. Mas isso aí também já não é problema meu, porque eu sei como se dá a resolução do mistério.


Pois é, dessa vez eu não esqueci, é por isso que anoto os tópicos sempre, aí não me perco e consigo ir falando “tranquilo”, bem entre aspas mesmo.


E o mistério é você entender se eu... ah, tem coisa que não se explica, né, se você pegou, pegou, se não pegou, depois entende no final.


Só que agora eu também não sei, preciso ver quanto tempo já deu, um segundo... Bom, acho que não o suficiente pra ir na direção anticlámitca de falar do mistério, mas como ele se amarra com o último ponto, tudo bem.


Nossa, e isso fui eu parando no meio do processo pra falar de metamodernismo pra um amigo que viu knives out e não gostou. E é como eu sempre digo também: zero problema, pra tudo tem quem goste e quem não goste. Meu medo é sempre ser apaixonado demais pelos processos que fique todo laudatório com a punheta dos outros... E claramente isso soou muito pior do que eu imaginava, mas foda-se também, deu pra entender. E afinal: o mistério, o meta da coisa — roteirizar ou não roteirizar? Isso foi — está sendo — roteirizado? Am I scripted? Vai chegar o dia em que vou mandar um “alô, produção” no meio da coisa pra checar se o teleprompter deu problema? É óbvio que não, né, até porque vão sempre pairar sobre a minha cabeça paranoias conspiratórias do outro Lucas ter desistido. Mas isso é bom, porque no fim é mais fácil desistir em dois do que desistir em um. Se ficar ruim assim, aqui, posso até apagar se quiser, não vai ter erro.


E não que fosse ter antes também, né, é só mais fácil. A pior parte de dar aula, por exemplo, não é nem lidar com aluno ou preparar aula e bla bla bla, mas são as instituições todas cagadas, com gente acomodada fazendo merda de qualquer jeito sem nem saber virgulação ou concordância ou qualquer pormenor assim. Enfim, não que se precise também saber todos os porquês pra ser um bom pedagogo, mas não saber e claramente não o querer saber demonstra pra mim um descaso que não dá. Se você sabe uma coisa que eu não sei e pode me ensinar e tá na minha frente, vou querer aprender, mesmo que eu ainda não saiba que eu não sei. Nossa... odeio quando falo essas coisas, sempre soam meio “eu sou uma pessoa que, meio que tipo, meu, aquário, sabe?”


E meus deus, como eu me enrolo nisso: o ponto é que o episódio se chama roteirizado, mas como é que você vai saber que eu simplesmente só não transcrevi o podcast? Ou pior: me gravei falando pra depois roteirizar e interpretar por cima? Enfim, só queria saber em que medida esses tipos de coisa fariam diferença no todo, porque até que era um bom exercício eu ir falando e falando e depois decupar tudo pra roteirizar.


Como você vai saber se isso tudo que falei agora não veio na verdade na segunda página do roteiro e eu simplesmente migrei pro final, como que conclusivamente? Porque a espiral dos solilóquios até aqui tem muito disso: o movimento é o de eu sair falando e o raciocínio alcançar as conclusões antes que eu tenha conseguido o tempo de falar sobre os processos. Mas pra mim também é aí que fica a graça, né, porque é o único momento em que consigo fazer diferente, já que todo o resto das coisas que eu faço é escrito. Mas me resignei, pelo menos dessa vez, a fazer diferente — sou um vanguardista de coração (e morro de vergonha de dizer essas coisas em voz alta, ou pelo menos audível, igual àqui — com crase).


Vou deixando essas pistas pra quem quiser desvendar o mistério. Me sinto muito o tio do churrasco evolution, que, ao invés de fazer piada constrangedora, só faz piada de nicho mesmo e não precisa nem ser compreendido pra se divertir. E eu admito que gosto da ideia, mas tenho medo de ir cruzando as linhas até perder a noção e ficar realmente inadequado.

Mas isso é bem difícil, meu pai sempre me chamava de O Vaselina, liso que só. Resolvendo tudo no jeitinho, pedindo desconto, ganhando brinde... ele é que é tímido demais pra tentar — enfim, não vou nem me estender nisso também, porque não tem a ver com a-bso-lutamente nada do que eu tava falando.


E fica a dúvida, ainda: do que que eu tava falando? Não, não... brincadeira, queria chegar no roteiro e ver se eu não me livro das amarras do provérbio francês “le plus beau papillon n’est qu’une chenille habillée”, ou seja: a mais bela borboleta não é senão uma lagarta — ou largata — arrumadinha, bem vestida. Eu gosto dessa mise en scène de soltar um provérbio francês gratuitamente, como se o tivesse decorado há eras, quando na verdade eu talvez só tenha aberto aleatoriamente um dicionário e achado um provérbio qualquer pra encaixar na história. Seria bem vanguardista, né?


Brincadeiras à parte, fico sempre preocupado com o que fazer do podcast, se não seria desvirtuar demais do planejado simplesmente me render ao roteiro e ler no estilo teleprompter e foda-se, mecanizar o processo — como se mesmo escrevendo não viesse tudo da minha cabeça a mil no cu da madrugada, aproveitando o silêncio que os vizinhos de baixo me devem pelos barracos que ficam armando durante o dia. Como pode duas pessoas gritarem tanto por tão pouco? Enfim, é surreal, e tenho certeza de que, se pudessem, com certeza teriam um sítio e uma picapinha pra se enfiar nele.


Uma coisa que me preocupava no Ex Nunc, enquanto escrevia, era se devia realmente adequar o tamanho das sessões ao equivalente de uma hora ou cinquenta minutos, pelo menos, de sessão falada. Mas aí a coisa do meta me era tão pungente que eu queria fazer exatamente como fiz e — bom, aviso aqui que talvez isso seja um spoiler — ah, na verdade é melhor não, fica o mistério: o mesmo, será? Enfim, tô que tô hoje, em? Ficou como ficou por causa do fim que tinha planejado, e aí fico sempre na expectativa de me darem o benefício da dúvida — é o problema fundamental do meu livro de contos, que foi planejado como livro, mas é de contos, e aí tem coisa que só se resolve cinquenta páginas à frente e se eu mandar uma amostra de vinte ou pelo menos conquistar um leitor na quinze, ainda não salva os quinze que não pegaram a coisa até ali e já me abandonaram, injustiçado. Ultimamente venho me autodenominando meio metamodernista também, em parte pela oscilação do cinismo à sinceridade, mas também por esse apego meio pseudovanguardista de focar metatextualmente no processo da coisa e não me ligar que pra muita gente é só pra ser divertido. E não posso dizer que o pessoal todo vai estar errado só porque eu gosto assim ou assado. E também tem que, pra mim, não é porque tem Schopenhauer no meio que a coisa vai deixar de ser entretenimento — eu diria até que é muito pelo contrário.


E eu só queria deixar claro que isso tudo também não quer dizer bosta nenhuma, Schopenhauer é só um cara que escreveu umas coisas, igual ao Guimarães Rosa, ao Paulo Coelho e à J.K. Rowling. É tudo só palavra na página, e a gente faz o que bem quiser delas — inclusive e muito comumente nunca nem ver.


E é meio — ou cem por cento, né — daí que vem esse ímpeto metatextual: acho que fica só como uma insegurança manifestada. E reforço o manifestada aqui, porque morro de medo também das pessoas acharem que eu não sei o particípio. Em grande parte esse é o meu problema com a coisa da poesia e de recorrer a chamar de “lírico” tudo aquilo que quero que as pessoas leiam com segundas intenções — e digo segundas intenções aqui no sentido de encontrar sentido mesmo — sentidos, na verdade, né, no plural.


Mas, pra variar, me estendo demais com o que era pra ser material pra um podcast inteiro — um dia.


Em suma: mande emeio e compre meu livro (ou me contrate, a coisa tá foda). Emeios em anonimatosmanifestos@gmail.com e contato e meus textos e traduções que boto lá tudo pelo meu site, algumlucas.com.


E aí fica a questão: denuncio a chave-mestra ou não? Seria ela suficiente para a resolução do mistério mais misterioso? Enfim, no meu site, as respostas, leia quem quiser, entenda quem puder. No mais, não gostei da coisa toda de mandar “um abraço” no final, fico sempre pensando se não devia bolar uns jargões pra falar de início e fim, mas gosto do programa inteiro acabar se tornando um metajargão que é a minha dança autoindulgente de onanismo pseudointelectual. E hoje resisti e nem caguei referências, pra não manchar o nome de ninguém. Só o do Schopenhauer, né, mas também ele que se foda, tudo indica que, apesar dos bons textos aqui e ali, devia ser um mega babacão — em ambos os sentidos, porque vivia com aquele poodle dele. Hashtag fofocas da filosofia. Enfim, e eu dizendo que não ia falar de picapeiro pra não desvirtuar o podcast e encerrando agora puto com um senhor e um poodle, com um século de atraso. Eu tenho mais é que me —

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