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EX NUNC, um romancete - 11ª Sessão

  • Foto do escritor: Algum Lucas
    Algum Lucas
  • 9 de mar. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 21 de abr. de 2020

11ª Sessão


Oi, boa tarde. Aqui, papéis e o dinheiro, dessa vez em notas de dez (coisa de banco, sabe como é, sempre acabam ferrando a gente de um jeito ou de outro. Sempre agradeço a deus por não ter feito economia ou algo do tipo). Um segundo. Pronto, deitado e aconchegado. Ah, tô melhor, viu? Não ótimo, nem nada do tipo, mas tô ok. Essa coisa toda da dita-cuja já deu o que tinha que dar. Fico pensando que às vezes não era pra ser mesmo. Pedi pro Otávio mais uns livros pra ler e tal, consegui ler um já, acho que nunca li tão rápido na vida. Bem bom esse, engraçado. O tema é diferente do outro, mas são bem parecidas as personagens, sabe? É de um cara viciado em pornografia que tá tentando parar e, no final, (adivinha:) não consegue e o livro na verdade era o livro que ele tava sempre escrevendo no café. Achei genial. Mas é bem diferente a proposta, a escrita é bem poética, bem sofrida, sabe? Me identifiquei.


Ah, eu resolvi falar disso mais porque, dando uma olhada nas coisas que te mandei até agora, percebi que escrever poemas tá me fazendo bem, sabe? Nunca tinha levado isso em consideração. Eu gostava de escrever quando era moleque, mas nunca fantasiei com isso, sabe? Acho que dá pra dizer que a ideia de ser um artista que se leva a sério me assusta um pouco, porque você tem que se arriscar, sabe? E não é que no stand-up você não se arrisque, você tá lá em cima falando merda, mas não acho que seja a mesma coisa, sabe? Porque a poesia ela tem sempre que ser bonita, né? Um romance tem que te fazer refletir e tal, tem que te fazer se identificar com as personagens, né? Por isso a gente sempre (acho impossível ter exceção pra isso) escreve o que a gente sente, né?


Tipo, eu não posso escrever um poema falando como se fosse uma mulher negra num engenho do século XVII, é quase ofensivo, eu acho, e a arte tem que edificar, sabe? Às vezes eu penso que a Arte pode resolver quase todos os problemas da humanidade. E aí eu paro e penso: mas, poxa, por que eu não tô considerando meu stand-up uma "Arte"? Talvez seja um preconceito meu, ou talvez eu só saiba que, no fundo, pra mim, minha "Arte" escrita vai ser sempre mais verdadeira (mais humana mesmo, sabe?) do que a minha performance no palco. Talvez esse meu querer ser um comediante seja só um mecanismo de defesa, uma maneira de eu me proteger dos riscos que ser um escritor ou um poeta me traria, sabe?


Sim, e isso é que acho interessante. Ser um comediante foi, até agora, a minha maior meta, meu grande objetivo, mas eu nunca fiz nenhuma apresentação, nunca nem sequer peguei num microfone pra contar piada. Agora, escrever eu já escrevi, e muito: semana passada acho que devo ter ficado quase duas horas escrevendo no total. É muito louco pensar nisso. Duas horas é um longa-metragem que, ao invés de consumir, eu basicamente produzi. Claro que não escrevi um longa-metragem, mas acho legal pensar na inversão consumir-produzir, sabe? Parece que a arte ela vem realmente pra quebrar o ciclo sabe? Pensei até em começar um romance, mas quero inovar, falar sobre algo que ainda ninguém falou. Ó... não sei... ah! vou falar então, em primeira mão pra você aqui (e sei que não vai me dizer nada do que acha etc., mas acho bom ter alguém pra contar isso): um cara (que talvez seja eu, talvez não, você não tem como saber até o final do livro) que trabalha num banco ou num escritório e tudo o mais, super infeliz com a carreira e tal, acabou de levar um pé-na-bunda da noiva; esse cara aí resolve fazer uma experiência e começa a escrever num café, todo dia. Mas tem um porém: ele, na verdade, tá parando é de tomar café! Nisso, ele substitui o café por um chá, e todos os dias resiste ao vício da cafeína, bem ali, enfrentando o mal na cara mesmo, enquanto escreve. Aí ele consegue publicar, é tudo um sucesso e tal, e ele tá agora num café um pouco mais chique do que ele ia antes, o livro fez sucesso e tudo o mais, tá passando uma reportagem sobre ele na TV, que ele ignora, quando, pei! plot-twist!, a revista de saúde que ele tá folheando cai aberta bem na reportagem "Por que o chá de porangaba emagrece? Outras propriedades, ou só a cafeína?". Ele olha pro chá dele, e o livro acaba.


Acho que vai ficar muito bom se eu me dedicar de verdade, sabe? E posso me perder ali escrevendo, que isso também vai me ajudar com o cigarro, porque, se parar pra pensar, escrevendo quase duas horas por semana, concentrado, são praticamente duas horas que eu não vou estar fumando, né? Escrevendo tanto assim, acho que consigo terminar o livro muito rápido e já publicar esse ano mesmo. E como deve demorar umas duas, três semanas pra publicarem o livro, nesse tempo eu já podia escrever um especial de stand-up e apresentar no lançamento. Caramba, imagina isso. Ia ser um sonho. Nessa hora ia me ajudar se a publicação atrasasse um pouquinho, pra não acontecer tudo rápido demais. Tá aí, daqui pra frente, pode me chamar de escritor, se quiser, porque dessa vez vou levar isso até o final. Alguém precisa inovar, e eu vou trazer esse meu background de stand-up pro mundo literário e a coisa vai estourar, não vai ter pra ninguém.


(Aham...)


(Sim, concordo.)


(Hm...)


Bem legal isso que você disse, vou ficar com isso na cabeça mesmo. Vai me ajudar bastante isso, eu tenho fé. "Não pensar só no daqui pra frente, mas também no até aqui." Acho importante mesmo refletir sobre o que nos trouxe até onde a gente tá, quais atitudes foram pro bem e quais pro mal. Nossa, gostei muito disso, vou até anotar, ver se uso com a personagem até, tudo bem? Bom, por hoje é isso mesmo, né? Fico feliz, acho que trabalhamos bem os problemas hoje, encaramos de frente, né?, isso é o que importa. Ah, eu ainda não consegui diminuir o cigarro, tô levando devagar, sabe?, nem tô pensando nisso por enquanto, na verdade, ainda mais com tudo o que vem me acontecendo e que eu venho pensando e tal. Mas temos coisas mais importantes no caminho, um passo de cada vez, né? Até semana que vem!



Textos que o Zé trouxe à 11ª Sessão



Por que você quis ser escritor?

É tipo uma fome que blá blá blá. Brincadeira.

Só pela audácia de crer-me melhor

que um Drummond, um de Andrade e um Bandeira.




Queria gostar de um poema

gostar de um poema eu queria

mas como gostar de um poema

se nem sei o que é poesia?


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