EX NUNC, um romancete - 12ª Sessão
- Algum Lucas
- 12 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 21 de abr. de 2020
12ª Sessão
Olá, muito boa tarde. Um segundo... aqui: cheque e... — puts! me esqueci dos papéis, caramba, e eu tava mexendo neles hoje mesmo. Como fazemos? Posso te mandar por e-mail, se quiser, ou trazer na semana que vem mesmo, o que acha? Beleza, semana que vem os trago então. Vou tentar falar mais correto a partir de agora, tá? Tô avisando pra você não estranhar. É porque eu falo muito de qualquer jeito e quero melhorar minha escrita (porque tem que ser bonita, né?), escrever mais direitinho, com umas palavras bonitas e tudo o mais.
Pô, uma pena que não me lembrei dos textos hoje, tinha um que eu queria te mostrar, sobre escrita contemporânea e tal. Semana que vem você vê. Foi bem livre o poema e tal, mas gostei, até soltei aquele english e um françois ali pra dar uma valorizada. Quando você ver ele — (o vir? ou o ver? ou vê-lo? vixe Maria, agora de cabeça assim eu não sei, em) — enfim, acho que você vai até dar risada, se gostar de literatura contemporânea e tal. Tô pensando bastante nisso ultimamente, já que agora comecei meu romance e tô escrevendo mais poemas e tudo mais. Li semana passada também um outro romance que o Otávio me passou. Desses contemporâneos também, de mais ou menos cem páginas mesmo. Caraca, tenho que admitir, tá ficando chato isso já, parece que ninguém tem mais nada pra falar, sabe? O meu ao menos tem um plot twist ali, um alerta sobre um vício que ninguém comenta, talvez um protagonista trans (mas isso eu não decidi ainda, quero deixar ali aberto pra não perder leitor, só pra dar aquela dúvida mesmo e tal)...
Mas todo mundo parece que só fala de parar de beber e de fumar. Assim, eu sei que isso é um dos motivos pra eu ter gostado tanto do primeiro lá que li, mas, poxa, tem que ter um limite, né? Se todo livro for falar de parar de beber e fumar enquanto um cara classe média escreve um livro que, na verdade, é o livro dentro do livro, daqui a pouco já tá compensando assistir novela. Eu? Sim, muito (muito mesmo). Mas eu penso ainda mais sobre como foi revelador pra mim ter terminado com a Júlia. Minha mãe (tadinha) que não se conformou ainda. E eu nem sabia que elas se davam, mas aparentemente ao menos uma gostava da outra. Então, mas deixa eu continuar aqui, que já tô me perdendo: pensando sobre isso, tô vendo se não compensa destacar meu protagonista da multidão, sabe? Assim ele tá muito parecido comigo, e uma coisa que tá martelando na minha cabeça ultimamente é que pra um artista talvez não seja nem legal nem bom ser como eu e esses caras dos livros que eu li.
Ah... explico sim. É que me deixa um pouco triste isso, e tô gostando da agitação de escrever e tal, mas não dá pra fugir pra sempre dos problemas. É que essa coisa toda de ter terminado com a Júlia, não ter conseguido (ainda!) parar de fumar e ter começado a escrever meu romance, logo depois de ter lido esses outros, tudo isso junto me fez pensar na minha situação, e ela é muito diferente do meu sonho, sabe? Então... sim, acho que dá pra reformular de um jeito mais poético até. O que quero dizer é, tipo, que o pesadelo é a minha situação me fazer perceber algo ainda mais depressivo: pra um artista, pior do que ser um Zé-ninguém, é ser meio que um Zé-todo-mundo que nem eu, sabe?
Zé-todo-mundo, porque eu sou e faço e quero tudo igualzinho a essas personagens que li, as quais, consequentemente, devem ser, fazer e querer tudo que os escritores delas são, fazem e querem, ou seja: me fica a impressão (o medo até, eu diria) de que talvez nós todos sejamos só um bando de merdas que se acham muito especiais, quando na verdade somos só isso mesmo, uns idiotas vaidosos que se repetem uns aos outros pra poderem se sentir especiais, afinal escrever não é pra qualquer um, então, se a gente não pode ficar famoso em rede social, por falta de beleza; na vida real, por falta de grana; em algum esporte ou hobby e tal, por falta de talento; às vezes eu penso que o que resta é escrever sobre os seus sentimentos, e quase todo mundo vai entender, porque, no fim das contas, somos todos uns merdas, uns completos idiotas que não prestam pra nada e ainda assim se sentem especiais...
Não, não, não me sinto assim o tempo todo, eu só considero isso, vez ou outra. Eu, na verdade, acredito que isso seja só uma maneira de me autossabotar, sabe? Um jeito elaborado que encontrei de não me aceitar, de não reconhecer o meu próprio valor pra me manter no meu lugar, na minha zona de conforto, sem nunca precisar enfrentar os meus demônios, sabe? Ou eu na verdade só seja mesmo um sábio, e todos nós somos uns merdas mesmo... Menos fedidos que sábios, talvez, mas uns merdas de todo jeito.
Acho que é isso por hoje. Xi, temos um tempinho ainda, vamos ver, então... Tô vendo que nessas últimas sessões tá ficando difícil ir até o final. Acho que, conforme eu falo, fico mais ansioso com as coisas que penso, e vai me dando uma vontade mais forte de fumar. É, tem isso, semana passada, mesmo eu tendo escrito (sem sacanagem) quase umas três horas já, não consegui parar de fumar ainda. Se bem que a coisa deve ter se agravado ainda, porque acho que na minha cabeça tenho ainda aquela ideia de "escritor de echarpe e boina fumando à maquina de escrever com seu copo de whisky." (E eu também não tinha ainda pensado nisso semana passada, mas é bem fácil fumar enquanto eu escrevo. Pra falar a verdade, até gosto de tirar onda com o cigarro pendurado na boca e tal).
É verdade... mas sobre isso não tenho muito a dizer, não... Esse não é mais meu foco, por enquanto, porque sinto que preciso resolver outras coisas antes, pra só então poder lidar com o cigarro, sabe? Ah... coisas tipo esse meu sonho, essa minha vontade de mostrar pro Pai, pro Otávio, pra Júlia, e até pra mãe (coitada), que eu sou alguém, sabe? Que quem arrisca fazer sua arte e sair por aí vivendo dela não é alguém que tá de brincadeira, sabe? É alguém que tem substância e tudo o mais. Por isso eu vou seguir nessa linha, sem desanimar. Ver se na semana que vem já não te trago meu primeiro capítulo. Tô pensando também em conversar sobre isso com o Otávio, mas bate aquele receio da namorada dele ir junto e bater aquela vontade de fumar... Enfim, já quase deu a hora, semana que vem lidamos com isso. Boa tarde. Até lá.
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